O Facebook consegue escapar ao papel de árbitro da verdade?

Quando Mark Zuckerberg declarou em 2016 que o Facebook deve ser “extremamente cauteloso ao tornar-se árbitro da verdade”, ele articulou uma visão de neutralidade que o gigante das redes sociais teria dificuldades em manter. A COO Sheryl Sandberg reforçou essa posição em 2017, e o próprio Zuckerberg reiterou sentimentos semelhantes há apenas alguns meses. No entanto, as iniciativas recentes do Facebook revelam uma mudança fundamental: a empresa está cada vez mais abraçando a responsabilidade que antes resistia.

Construindo um Ecossistema de Notícias

O anúncio do Facebook de uma seção dedicada às notícias representa uma admissão tácita de influência sobre o discurso público. Ao curar jornalismo “de alta qualidade” e “confiável”, a plataforma está, por sua natureza, fazendo julgamentos sobre o valor e a veracidade do conteúdo. A conversa de Zuckerberg com o CEO da Axel Springer, Mathias Dopfner, focou precisamente nisso—determinar “princípios que o Facebook deve usar para construir uma aba de notícias que destaque notícias de alta qualidade.”

O compromisso financeiro é significativo. O Facebook está disposto a absorver custos e potencialmente pagar taxas de licenciamento aos editores, uma reversão de anos de declínio do jornalismo local, enquanto a plataforma drenava tanto audiência quanto receita de publicidade. “Isto não é uma jogada de receita para nós”, afirmou Zuckerberg, sinalizando uma intenção séria de remodelar o panorama de notícias que anteriormente desestabilizou.

Iniciativa de Verificação de Fatos do WhatsApp

A subsidiária do Facebook, WhatsApp, adotou uma abordagem mais direta através do seu serviço Checkpoint Tipline, pilotado antes das eleições na Índia. Os usuários agora podem enviar mensagens questionáveis para avaliação, com o serviço marcando o conteúdo como verdadeiro, falso, enganoso ou disputado.

Esse mecanismo aborda um problema persistente: a criptografia de ponta a ponta do WhatsApp, que o Facebook planeja estender por toda a sua suíte de mensagens, também permite a disseminação de desinformação. Em mercados emergentes onde o WhatsApp domina, a plataforma tem sido ligada a violência mortal na Índia, Mianmar, Sri Lanka e México, assim como às campanhas de desinformação eleitoral no Brasil. Uma sobreposição de verificação de fatos contradiz diretamente a arquitetura técnica da plataforma.

Enfrentando Ameaças à Saúde Pública

Talvez o aspecto mais revelador seja a repressão à desinformação sobre vacinas no Facebook. A executiva de políticas globais, Monika Bickert, anunciou que conteúdos sinalizados por organizações como a Organização Mundial da Saúde e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA sofreriam redução de classificação, remoção de recomendações e proibições de monetização de anúncios.

O surto de sarampo que se espalha por 15 estados dos EUA exemplifica por que o Facebook não podia mais manter a neutralidade. Quando crises de saúde pública evitáveis derivam parcialmente de boatos amplificados pela plataforma, a inação torna-se cumplicidade.

A Verdade Desconfortável

O paradoxo é evidente: o Facebook afirma que apenas 1% dos seus 2,7 bilhões de usuários mensais encontram notícias falsas e boatos. No entanto, nessa escala, 1% significa milhões de pessoas consumindo informações falsas. A posição histórica da empresa—de que ela não deveria julgar a verdade—tornou-se insustentável quando milhões de usuários dependem da plataforma como sua principal fonte de informação.

O Facebook talvez nunca tenha desejado atuar como árbitro da verdade. Mas, por meio de medidas incrementais relacionadas ao jornalismo, verificação de fatos e saúde pública, a empresa reconheceu o que a escala exige: responsabilidade pelo ecossistema de informações que criou. Se essas intervenções serão suficientes, permanece uma questão em aberto.