Recentemente, um caso de grande repercussão envolvendo o uso de criptomoedas em operações de câmbio chamou atenção do público. Em 16 de julho (UTC), o Tribunal Popular do Novo Distrito de Pudong, em Xangai, revelou detalhes de um caso relevante de câmbio ilegal com ativos digitais julgado em março—totalizando 6,5 bilhões de yuans. Nesse episódio, participantes utilizaram stablecoins, como o USDT, como intermediário, auxiliando pessoas na conversão de RMB para moedas estrangeiras.
Por que as autoridades judiciais chinesas vêm intensificando o combate aos casos de uso ilícito de moedas virtuais em operações de câmbio e negociações de moeda estrangeira nos últimos dois anos? A razão é direta: a China adota rígido controle de capitais, limitando cada cidadão a um teto anual de US$ 50.000 em câmbio. Caso deseje trocar valores superiores, é possível, mas exige ir ao banco, enfrentar filas, preencher uma extensa documentação e justificar o destino dos recursos.
O surgimento das criptomoedas permitiu que indivíduos contornassem os controles de capitais do país, criando oportunidades para arbitragem ilegal. Por consequência, as autoridades passaram a concentrar esforços de fiscalização em transações de câmbio e conversão ilegal de moeda via criptoativos. Como especialista jurídico em Web3, analiso o enquadramento criminal e estratégias de defesa para operações comerciais ilegais relacionadas a criptomoedas, conforme a legislação chinesa continental, com o objetivo de fornecer recomendações práticas a profissionais de Web3 e colegas do Direito.
De acordo com o CCTV.com, citando o China Times, no fim de 2023, a Sra. Chen, residente de Xangai, buscava transferir recursos ao exterior para sua filha. Frente ao limite anual de US$ 50.000 em câmbio, ela procurou uma empresa que se autodenominava “empresa de câmbio”. Após a Sra. Chen transferir RMB para a conta da Empresa A, sua filha recebeu rapidamente o valor equivalente em moeda estrangeira no exterior. Naturalmente, a empresa de câmbio cobrou uma taxa de serviço proporcional ao valor transacionado.
As informações do processo mostram que, na época da investigação, Yang, Xu e outros utilizaram empresas de fachada nacionais para facilitar transferências internacionais de fundos a um amplo grupo de clientes, usando stablecoins, como o USDT, como intermediário e gerando lucro ilegal. O total de transações atingiu 6,5 bilhões de yuans. O funcionamento era o seguinte: a empresa nacional recebia RMB de clientes, mas, ao invés de usar bancos ou cambistas clandestinos para enviar ao exterior, Yang e Xu convertiam os valores recebidos em USDT ou outras criptomoedas. Assim que a empresa de câmbio recebia o dinheiro do cliente, ela ordenava que parceiros internacionais transferissem moeda estrangeira, conforme as reservas e taxas do momento, aos destinatários. Esse modelo, comum em países que permitem serviços cripto-fiat, viabiliza liquidação internacional eficiente entre RMB e moedas locais via criptoativos.
1. Previsões legais
O Artigo 225 da Lei Criminal da RPC define o crime de operações comerciais ilegais—correspondente ao antigo delito de “especulação e obtenção de lucros irregulares”. No setor jurídico, trata-se de uma acusação abrangente em crimes econômicos. A norma prevê quatro tipos de condutas: (1) operação não autorizada ou venda de bens monopolizados ou restritos; (2) negociação de licenças de importação/exportação ou certificados de origem; (3) prestação não autorizada de serviços de valores mobiliários, futuros, seguros ou pagamentos e liquidações de fundos; e (4) outros atos comerciais ilegais que perturbem gravemente o mercado.
2. Interpretação judicial
As três primeiras situações são objetivas; a quarta—outros atos comerciais ilegais que perturbem gravemente o mercado—gera insegurança jurídica, propiciando decisões divergentes e aplicação excessiva em novos modelos de negócio. Em 2011, o Supremo Tribunal Popular publicou o “Aviso sobre a compreensão e aplicação precisa das normas estatais na Lei Criminal” (Fa Fa [2011] No. 155), destacando que a quarta categoria exige interpretação estrita:
Primeiro, normas estatais englobam leis e resoluções aprovadas pelo Congresso Nacional do Povo e seu Comitê Permanente, além de regulamentos, medidas, decisões e ordens do Conselho de Estado.
Segundo, não havendo interpretação judicial específica para outros atos comerciais ilegais que perturbem gravemente o mercado, tribunais de todos os níveis devem solicitar esclarecimentos do Supremo Tribunal Popular.
3. Limites criminais específicos
Segundo a “Interpretação sobre questões relativas à aplicação da lei em casos criminais de negócios ilegais de pagamentos e liquidações de fundos e negociações ilegais de câmbio” do Supremo Tribunal Popular e da Suprema Procuradoria Popular, circunstâncias graves (puníveis até cinco anos de prisão ou detenção) incluem: (1) operações ilegais superiores a 5 milhões de yuans; ou (2) lucro ilegal acima de 100.000 yuans.
Para circunstâncias especialmente graves (mais de cinco anos de prisão), os limites são: (1) operações ilegais superiores a 25 milhões de yuans; ou (2) lucro ilegal acima de 500.000 yuans.
Valor da operação ilegal compreende o total movimentado em câmbio não autorizado, conversão clandestina de moeda ou liquidação de moeda estrangeira, enquanto lucro ilegal refere-se ao ganho real do infrator.
Focando no tema central e além do caso Yang/Xu, um cenário comum que leva à condenação por operação ilegal é o uso de USDT para facilitar câmbio não autorizado—ou seja, câmbio realizado sem licença. Como mencionado, o processo se divide em duas etapas:
Essas etapas, apesar de parecerem separadas, realizam a conversão de RMB em dólares americanos. Esse método, chamado câmbio peer-to-peer, resulta em entrada de RMB no mercado chinês e saída simultânea de USD no exterior—ignorando canais oficiais, notificações e controles de compliance. Isso dribla a fiscalização cambial e as normas de prevenção à lavagem de dinheiro, caracterizando câmbio disfarçado. Ao ultrapassar os limites legais, configura operação comercial ilegal.
Outro cenário frequente: a empresa nacional vende USDT ao cliente e recebe RMB, sem envolvimento ou ciência sobre a conversão posterior de USDT em moeda estrangeira. Aqui, na ausência de evidências de facilitação ou conluio, entende-se que a empresa não preenche os critérios para operação ilegal. O argumento detalhado segue abaixo.
Como advogado criminalista especialista em Web3, apresento estratégias objetivas de defesa para casos de supostas operações comerciais ilegais com criptomoedas, fundamentadas na prática forense do setor:
Primeiramente, em contextos nos quais confissões têm peso, é indispensável revisar minuciosamente os depoimentos do cliente quanto à admissão de operação comercial ou intenção de lucro. Se a equipe nacional nega finalidade ilícita em câmbio e não existe evidência objetiva, qualquer suposta prova proveniente de ligações com grupos internacionais de câmbio (que convertem USDT em moeda estrangeira) não deve ser admitida como prova criminal.
Adicionalmente, a análise de provas exige domínio técnico. O advogado deve verificar se os registros de blockchain, dados KYC das exchanges centralizadas, horários de transação, fluxo e volumes de fundos são compatíveis. No caso de uma exchange estrangeira fornecer à investigação chinesa dados cadastrais (nome, identidade, telefone, e-mail, etc.), como validar a autenticidade e pertinência dessas informações? É possível o registro fraudulento? O defensor deve compreender as diferentes regras de KYC entre exchanges e países.
Por fim, é fundamental cautela com laudos forenses e relatórios de auditoria de terceiros. Algumas autoridades podem considerar esses documentos como prova criminal conclusiva. Com autorização do cliente e familiares, o defensor pode convocar especialistas para contestar, em juízo, tais relatórios e pareceres.
Além disso, advogados familiarizados com o regulamento chinês de ativos virtuais e os problemas recorrentes de perícia e prova podem exercer defesa vigorosa perante o Ministério Público. A experiência demonstra que novos tipos de litígios com criptomoedas frequentemente oferecem oportunidade concreta de êxito, especialmente no debate sobre provas e análise técnica.